
Dez anos após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, que instituiu a contagem de prazos processuais exclusivamente em dias úteis (artigo 219), a Justiça Eleitoral mantém uma prática anômala: fora do período eleitoral, os prazos seguem o revogado CPC/1973, devido à ausência de regulamentação específica. Essa inconsistência, que resiste a críticas doutrinárias, decisões judiciais conflitantes e propostas legislativas, expõe uma lacuna jurídica incompatível com a evolução do sistema processual brasileiro.
O CPC/2015 consagrou a contagem de prazos em dias úteis, excluindo finais de semana e feriados, para garantir maior previsibilidade e equidade aos operadores do direito. Contudo, a Resolução TSE nº 23.478/2016 afastou a aplicação do artigo 219 aos processos eleitorais, sob o argumento de “incompatibilidade sistêmica” com a celeridade exigida no período eleitoral, quando a Justiça Eleitoral opera ininterruptamente (artigo 16 da LC 64/90). Fora desse período, porém, nenhum dispositivo foi editado para regular os prazos, perpetuando a contagem em dias corridos do CPC/1973. Como apontado em 2017 por Maria Stephany dos Santos e este autor, essa prática contraria os ditames constitucionais e representa um retrocesso procedimental.
A ausência de norma específica gera tratamento desigual para a advocacia eleitoral e compromete a própria celeridade invocada pelo TSE. A justificativa de rapidez não se sustenta, pois a morosidade processual decorre mais de questões de gestão judiciária do que da contagem em dias úteis. Além disso, cartórios eleitorais não funcionam aos finais de semana fora do período eleitoral, o que torna incoerente a manutenção de prazos em dias corridos. Diante disso, a aplicação subsidiária do CPC/2015 deveria prevalecer, e não a ressuscitação de uma lei revogada.
Benefícios com mudança
Após anos de debates, o Projeto de Lei 4.438-B/2023, aprovado na Câmara dos Deputados, propõe a solução com o artigo 380-A: “Na contagem de prazo em dias, em processos perante a Justiça Eleitoral em período não eleitoral, computar-se-ão somente os dias úteis.”
Essa mudança, defendida desde 2017 pela Comissão de Direito Eleitoral do CFOAB, traria três benefícios principais:
- alinhamento do processo eleitoral ao sistema processual civil moderno;
- adequação à dinâmica administrativa dos cartórios eleitorais, inativos nos finais de semana fora do período eleitoral; e
- maior previsibilidade e segurança jurídica aos operadores do direito.
O Senado tem agora a oportunidade de corrigir essa distorção histórica. A aprovação do artigo 380-A não apenas sanaria uma inconsistência criada pelo próprio TSE, mas também consolidaria a maturidade do processo eleitoral como ramo autônomo, capaz de harmonizar suas particularidades com o ordenamento jurídico vigente.
A persistência de prazos baseados no CPC/1973, uma década após a vigência do CPC/2015, reflete um conservadorismo normativo que contraria a evolução jurídica. Como destacado em 2023, respeitar o trâmite processual significa eliminar uma contradição que prejudica a Justiça Eleitoral. Cabe ao Senado agir para assegurar um processo eleitoral mais justo, previsível e alinhado ao Direito Processual contemporâneo. O momento para essa correção é agora.
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Referências
NETO, Delmiro Dantas Campos; SANTOS, Maria Stephany dos. Da anomia jurídica na contagem dos prazos processuais no Direito Eleitoral. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, v. 1, p. 30, 2017.
CAMPOS NETO, Delmiro Dantas; SANTOS, Maria Stephany dos. Minirreforma eleitoral de 2023 e a contagem de prazos em dias úteis. ConJur, 2 de outubro de 2023, 10h19. Disponível aqui.
Delmiro Dantas Campos Neto
É advogado, sócio-diretor do escritório Campos & Pedrosa Advogados Associados e ouvidor-Geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).