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Eleições 2026: o protagonismo feminino e a lógica da vitrine institucional

Maria Stephany dos Santos

Há muito se discute a participação da mulher nos cargos de poder, e também há muito se reconhece sua atuação expressiva e representatividade demográfica na sociedade brasileira. No entanto, números são apenas números. A legislação brasileira, por vezes, busca fortalecer o papel da mulher por meio de ações afirmativas.

O Brasil é um país majoritariamente feminino [1], e isso se reflete diretamente em diversas profissões, como a advocacia, por exemplo. Segundo levantamento divulgado no dia 26 de abril de 2024, a advocacia brasileira é composta por 50% de mulheres, 49% de homens e 1% de pessoas pertencentes a outras identidades de gênero — sendo 0,2% não binárias, 0,1% transgêneros, 0,1% travestis e 0,1% outras [2]. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou os dados do eleitorado, em 2024, revelando que a maioria é composta por mulheres (52,4%) [3]. Ou seja, qualquer análise quantitativa demonstrará a predominância do gênero feminino.

As instituições, sem incorrer em generalizações, elegem e conferem voz às mulheres para ocuparem determinados espaços de atuação. No entanto, muitas vezes tais escolhas se limitam a uma função simbólica ou representativa, funcionando como vitrines institucionais, já que, na prática, a atuação dessas mulheres é frequentemente mitigada ou esvaziada. Na seara eleitoral, desde 1995 [4], tenta-se dar paridade de gênero e uma participação ativa da mulher na política. Samuel Finer define que “por democracia de fachada entendo um sistema em que as instituições, processos e salvaguardas liberal-democráticas estão estabelecidas na lei, mas são na prática manipulados e violentados por uma oligarquia histórica, com o fito de permanecer no poder” [5].

Regulamentação da Justiça Eleitoral

A análise da Justiça Eleitoral, anteriormente, em relação às candidaturas registradas para os pleitos eleitorais cingia-se, tão somente, ao aspecto formal, haja vista que não havia parâmetros para identificar se a mulher estava concorrendo ao cargo com fulcro no exercício pleno de seus direitos políticos passivos ou se registrou a candidatura para preencher o mínimo legal. Ainda assim, no momento em que a Justiça Eleitoral identificava que não houve o preenchimento dos 30% do gênero, notificava a coligação ou partido para que sanasse o respectivo vício.

Posteriormente, para evitar fraudes ao caráter deontológico das cotas de gênero houve, um endurecimento da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de se adentrar com AIME’s e AIJE’s (ação de impugnação de mandato eleitoral e ação de investigação judicial eleitoral) contra aquelas candidaturas femininas que obtiveram um percentual ínfimo de votos [6], o que significou um claro avanço para a concretização da política de maior igualdade de gênero. Buscou-se, com isso, proteger a normalidade e a legitimidade do pleito, que são valores essenciais para a higidez do regime democrático (artigo 14, §9º, da Constituição), especificamente para que a verdade eleitoral seja refletida através das urnas.

Incentivo às mulheres

A promoção da participação política feminina tem sido progressivamente incentivada por alterações legislativas relevantes. A Lei nº 13.877/2019 (minirreforma eleitoral de 2019) alterou o artigo 44, inciso V, da Lei dos Partidos Políticos, garantindo que, no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário sejam destinados à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Esses programas devem ser criados e executados pela Secretaria da Mulher, ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido por essa secretaria, em âmbito nacional. O percentual exato é fixado pelo órgão nacional de direção partidária.

Posteriormente, a Lei nº 14.291/2022 (minirreforma eleitoral de 2022) ampliou esse compromisso ao atribuir aos partidos políticos a obrigação de promover a participação política não apenas das mulheres, mas também dos jovens e dos negros. Estabeleceu-se, inclusive, a reserva mínima de 30% (trinta por cento) do tempo total disponível ao partido para a promoção da participação feminina dentro da agremiação, com o objetivo de arregimentar e densificar a atuação das mulheres no cenário político-partidário.

Candidaturas fictícias

Diante da aparência meramente formal da participação feminina na política brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral, no exercício das atribuições previstas no artigo 23, inciso XV, do Código Eleitoral, editou a Súmula nº 73, com o objetivo de consolidar o entendimento de que os fatos e as circunstâncias do caso concreto podem demonstrar a existência de candidaturas fictícias, permitindo seu rechaço no âmbito da Justiça Eleitoral. Em posicionamento igualmente relevante, a ministra Cármen Lúcia destacou que “não se pode fazer de conta que se está cumprindo a lei, porque lei não é aviso, sugestão e nem proposta. É uma norma para ser cumprida para que tenhamos um estado democrático” [7]. Daí a razão pela qual Rodrigo López Zílio salienta que “não pode haver qualquer elemento que desvirtue ou perturbe a livre autodeterminação do eleitor, já que a soberania popular é sustentáculo do princípio democrático” [8].

O cálculo dos percentuais de candidaturas para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político ou pela federação, com a devida autorização da candidata ou do candidato, e deverá ser observado nos casos de vagas remanescentes ou de substituição, conforme dispõe o artigo 17, §4º da Resolução do TSE nº 23.609/2019. Ou seja, não se enquadram no contexto de fraude à cota de gênero a renúncia, o falecimento ou indeferimento fortuito de registro — essas hipóteses, por si só —, pois tratam-se de casos fortuitos supervenientes ao próprio registro de candidatura.

Já a Resolução do TSE nº 23.735/2024, em seu artigo 8º, §4º, reverbera que “é suficiente o desvirtuamento finalístico, dispensada a demonstração do elemento subjetivo (consilium fraudis), consistente na intenção de fraudar a lei”. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral tem firmado o entendimento de que o conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não é requisito essencial para a caracterização da fraude à cota de gênero, bastando a constatação do desvio de finalidade da candidatura feminina [9].

Consequência de fraude

A fraude à cota de gênero acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a anulação dos votos nominais e de legenda, com as consequências previstas no caput do artigo 224 do Código Eleitoral [10].

As eleições gerais de 2026 já pululam nos diversos eventos partidários, onde muitos se autointitulam como “a força” ou “a liderança”. Espera-se que tais denominações não se limitem a títulos convidativos, mas que efetivamente contribuam para o fortalecimento da participação feminina no prélio eleitoral. A Justiça Eleitoral já densifica entendimentos consolidados, e espera-se que estes não sejam interpretados como impedimentos, mas como instrumentos condutivos para que os partidos políticos promovam, de fato, o engajamento das mulheres na política, evitando reduzi-las a meras vitrines institucionais.


[1] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Número de homens e mulheres. IBGEeduca, 2023. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/criancas/brasil/nosso-povo/19625-numero-de-homens-e-mulheres.html. Acesso em: 2 jun. 2025.

[2] ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Perfil ADV: pesquisa mostra que advocacia brasileira é majoritariamente feminina. Brasília: OAB, 7 maio 2024. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/62211/perfil-adv-pesquisa-mostra-que-advocacia-brasileira-e-majoritariamente-feminina. Acesso em: 2 jun. 2025.

[3] CUNHA, Marcella. Número de eleitores no Brasil cresce cinco por cento. Rádio Senado, 26 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/26/cresce-em-5-o-numero-de-eleitores-no-brasil. Acesso em: 2 jun. 2025.

[4] OTTO, Dianne. Holding up half the sky, but for whose benefit?: A critical analysis of the fourth world conference on women. Australian Feminist Law Journal, v. 6, n. 1, p. 7-28, 1996.

[5] FINER, Samuel E. Governo comparado. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 289.

[6]Um dos critérios para uma determinada candidatura ser classificada como laranja está receber menos de 1% dos votos obtidos pelo candidato eleito menos votado no Estado, conforme critério adotado pelas professoras Malu Gatto, da UniversityCollege London e KristinWyllie, da James Madison University.

BBC. News. Brasil. Candidatas Laranjas: Pesquisa Inédita mostra quais Partidos Usaram mais Mulheres para Burlar Cotas em 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47446723.  Acesso em 18/03/2018.

[7] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AREsp nº 0600001-02.2021.6.14.0098 – Belém/PA. Rel. Min. Cármen Lúcia. Julgado em 18 fev. 2024. Disponível em: https://www.tse.jus.br. Acesso em: 2 jun. 2025.

[8] ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7. Ed. Salvador: Juspodvim, 2020. P. 649.

[9] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 0600311-66.2022.6.17.0127, Relator: Ministro Raul Araújo. Julgado em: 09 maio 2023. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, 12 maio 2023.

[10] Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.

§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.

§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, […], a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

Maria Stephany dos Santos é advogada, especialista em Direito Eleitoral, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT/CCSA/UFPE), membro da Abradep e coordenadora da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PE.

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